15 julho 2016

"Não copiamos o rock de ninguém, o nosso rock é um alfabeto"


Jorge Cruz esteve esta manhã na Rádio Vidigueira a promover a dobradinha de concertos no Alentejo (hoje Gavião, amanhã Portel). Alguns momentos da conversa:

Este rock é um alfabeto
«Nós temos muitas influências e não copiamos o rock de ninguém. O nosso rock é um alfabeto, nós usamos essas letras para escrever a nossa linguagem e ela usa também outros alfabetos. É uma mistura de tudo um pouco, desde a música tradicional a que fomos tendo acesso, quer as bandas e artistas que vieram da geração dos anos 60, 70 e 80, quer a música contemporânea rock com que crescemos desde miúdos. A nossa proposta é fazer música contemporânea do século XXI, mas inspirada no legado da música portuguesa. Temos um grande respeito pela nossa cultura, uma grande vontade de a levar a todo o lado, acreditámos sempre que a música portuguesa podia ser uma música de alegrias e não de tristes fados. E cada vez mais a sociedade portuguesa vai saindo das cascas e tem mais vontade de celebrar-se a si própria e cada vez mais um grupo como o nosso faz sentido e deixa de ser uma ave rara que celebra a cultura portuguesa. Agora que nos podemos tratar como campeões europeus, podemos sentir isso com mais força.»

Os loucos estavam certos
«É preciso uma dose de loucura para fazer algo de especial, mas também é preciso muita perseverança, muita força, muita coragem. Pensar pela própria cabeça, fazer música que não seja só uma reprodução da música que ouvimos lá fora, fazer uma música que seja especial, que seja especial do nosso país, que diga algo de novo sobre quem nós somos enquanto pessoas e também sobre quem nós somos individualmente, eu e os outros membros da banda. O que temos para dizer ali é sobre as nossas vidas. e as nossas vidas são parecidas com as vidas de muita gente. Música com a qual as pessoas se possam identificar de Norte a Sul e nas ilhas.»

Diabo ao vivo vs. Diabo em estúdio
«O estúdio acaba por traduzir mais a ideia das canções e dá uma leitura das canções que é mais fácil de perceber. As coisas são mais nítidas, mas também não têm aquele rasgo e aquela alma extra que o ao vivo tem. Quem conhece a banda através dos discos, dos singles ou dos vídeos, não conhece realmente a banda. Só quem nos vir ao vivo e de uma ponta à outra, porque nós temos uma narrativa, o concerto passa por diferentes fases e há ali toda uma soma de canções que acaba por ser uma história única. Só vendo isso é que se sente o que é o grupo. Aí somos muito mais emocionais, a nossa paixão e a nossa missão sente-se de maneira diferente. Se calhar ouvindo as músicas que são gravadas sente-se mais a nossa ideia, há um lado mais pensado, mais cerebral, mais cuidado. Nós ao vivo temos pouco cuidado, estamos ali para dar o máximo, para nos divertirmos e para celebrarmos a música que fazemos diante dos outros. O que falta em jeito, ganha em força.»

Alentejo, um lugar especial 
«A música alentejana — o cante alentejano, mas também a música dos autores alentejanos como o Vitorino e o Janita Salomé — está na base da ideia do grupo. Aliás, o Vitorino Salomé, importa dizer, cantou a primeira música do nosso primeiro álbum. Não foi por acaso, convidámo-lo para isso, para ele abrir as hostilidades. O Alentejo teve sempre um poder muito grande, tem um papel muito importante em fazer sonhar. O horizonte, o isolamento, o espaço para pensarmos, para ficarmos sós, para descansarmos da cidade. Procuro-o, sou uma pessoa que precisa disso e desde jovem que passo férias no interior alentejano. Enquanto o pessoal ia para o Algarve ou para a costa alentejana, eu gostava de ir para Serpa, para Castelo de Vide ou para a Barragem de Odivelas dormir lá ao pé da água. Sempre fui esse tipo de pessoa de comer alentejano, beber alentejano e pensar alentejano às vezes, e daí retirei muita inspiração para muita da música que fazemos.»

O quarto álbum
«Estamos no terceiro álbum de uma tour intensa, é uma fase de balanço. As ideias que temos agora são soltas, vai ser preciso parar e descansar um bocadinho e começar a organizar as ideias, porque nós fizemos três discos todos eles com uma personalidade vincada, nenhum deles é exactamente igual. Queremos que o quarto disco seja um passo em frente, e para fazer um passo em frente em relação ao que fizemos vai ser preciso ir buscar muita nova energia, muitas novas ideias e nós não queremos apressar esse momento porque queremos fazer algo com valor. O quarto disco vai demorar o seu tempinho, temos o próximo ano para o preparar.»

Escrever para outros
«Tenho feito isso e penso continuar a fazer, tenho tido mais pedidos, é uma parte importante do meu trabalho. O estúdio para mim é uma coisa que eu tenho que fazer, o ao vivo é uma coisa que eu gosto de fazer, embora o dia-a-dia dos concertos às vezes seja um bocadinho já pesado. Aquele ritmo não é necessariamente o que eu gostava de viver, porque eu gosto de estar sentado a escrever. E às vezes a minha voz não é necessariamente a voz certa para as canções que quero fazer, por isso tenho tido a sorte de escrever para a Ana Moura, Raquel Tavares, Amor Electro, Cristina Branco. No fado, felizmente, há muitas cantoras à procura de canções. Eu tenho tido a sorte de lhes fazer canções, de terem tido sucesso nas vozes delas, e gostaria de continuar a fazer isso.»

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