04 julho 2016

Entrevista: Manuel Pinheiro

Manuel Pinheiro, o homem das percussões e electrónica em Diabo na Cruz, responde às questões dos fãs e fala do seu projecto Luso Beat, dos muitos instrumentos que toca na banda e do dia em que tocou com Tony Allen e Damon Albarn dos Blur.

Quantos instrumentos tocas durante um concerto de Diabo na Cruz? Que instrumentos te dão mais gozo tocar?
15! Fiz agora as contas de cabeça e são à volta de 15 instrumentos. O adufe é especial para mim. Houve um período na banda dos meus pais, os Ephedra, onde as suas canções receberam influências da música e instrumentos tradicionais portugueses, e como o meu pai era o percussionista do grupo nós sempre estivemos rodeados de muita percussão: instrumentos brasileiros, angolanos, nigerianos, americanos, mas o adufe que andava lá por casa sempre me fascinou mais que os outros. Fico muito contente por tocar o adufe em Diabo na Cruz.

Qual foi o primeiro instrumento que aprendeste a tocar?
Não sei bem dizer se foi a bateria ou a guitarra clássica. Lembro-me que comecei a aprendê-los ao mesmo tempo. As cordas sempre foram os meus instrumentos preferidos nos tempos livres e de descontracção, uso a guitarra para me ajudar a compor algumas coisas, mas só ocasionalmente a gravo ou toco ao vivo.

O que é que gostas de ouvir?
Ouço muito rock e pop/rock nacional e estrangeiro e gosto de ter comigo os meus discos favoritos de jazz. Gosto de ouvir música mais tradicional de diferentes culturas, muita dela portuguesa. Gosto de alguma música electrónica de dança, mas ouço mais música electrónica experimental ou ambiental. Quando quero mesmo relaxar ouço música clássica porque é talvez o único género musical que não analiso demasiado enquanto estou a ouvir.

Que música gostas mais de tocar nos concertos de Diabo na Cruz?
Vida de Estrada! (A escolha não foi fácil... :)

Que tal é teres o teu irmão mais velho [João Pinheiro] na banda?
Sempre gostei de tocar e partilhar o palco com o meu irmão! Foi muito marcante para mim ter formado com ele os Tv Rural, uma das minhas primeiras bandas e onde hoje em dia faço o som ao vivo. Temos uma relação intensa e existe uma grande cumplicidade entre nós. Tocar com ele é, para mim, um aspecto muito importante do nosso relacionamento, e a responsabilidade de fazermos parte da mesma banda enriquece esse relacionamento. Hoje em dia conseguimos, talvez melhor que no passado :), encontrar um equilíbrio saudável entre o lado pessoal e o profissional. Senti-me orgulhoso quando o Jorge me ligou para me convidar para as percussões e me disse que o meu irmão me tinha recomendado. Também adoro os meus outros irmãos da numerosa família que são os Diabo na Cruz!

Como és o mais novo em Diabo, sentes que tens algo a provar ou já estás confortável dentro da banda? 
O Virou!, no ano em que saiu, foi um dos discos que mais rodou no meu leitor de mp3. Nessa altura eu vivia em Londres e ainda não fazia parte da banda e lembro-me de ter adorado o disco e de pensar que Diabo na Cruz era a minha nova banda portuguesa favorita. Quando entrei para a banda para tocar percussões nos concertos senti a responsabilidade de ajudar a representar ao vivo esse grande disco. Para mim a fasquia era alta e eu tive de esforçar-me muito para tentar estar à altura. Fui logo bem recebido e agora, depois de ter gravado dois discos e de ter passado tantos momentos incríveis com os meus colegas e amigos ao longo destes anos, sinto-me muito bem na banda.

Em 2013 tocaste com o projecto Batida em Marselha - como é que isso aconteceu e quão incrível foi essa experiência?
Conheci o Pedro Coquenão, que é o mentor de Batida, quando colaborei algumas vezes no seu projecto Rádio Fazuma, entre 2002 e 2004. Nessa altura fizemos umas coisas giras que incluíram concertos ao vivo em formato de emissão rádio e até um directo para a rádio, via telefone, a partir de Itália. Depois fui estudar e viver para fora e fomos mantendo algum contacto. Quando voltei para Portugal em 2011 comecei a participar ocasionalmente em Batida. O Africa Express, a experiência de Marselha, envolveu passar dois dias num grande armazém onde se misturaram músicos de imensas bandas diferentes (Batida, Kasabians, Django Django, Gorillaz, entre outros) e um dia de concertos onde se mostrava ao público todas as colaborações que surgiram desses ensaios. Foi uma experiência muito boa e foi incrível ter tocado ao vivo em modo jam session com o Damon Albarn dos Blur e com o fantástico Tony Allen, inventor dos ritmos Afrobeat.

Que outros projectos tens além dos Diabo?
Para além dos Diabo na Cruz faço o som de algumas bandas e artistas portugueses: You Can't Win Charlie Brown; Tv Rural; Três por Cento; Real Combo Lisbonense; Flak; Oioai; Vitorino Voador; Joana Barra Vaz. Também trabalho como sonoplasta para teatro, dança e artes sonoras, percurso que começou quando estava na faculdade de sound design em Londres e que me levou a conhecer e colaborar com artistas como o Ricardo Jacinto, o Robin Dignemans, o Tarell Alvin McCraney ou a Valeria Caboi, entre outros.

Como trabalhas também com a parte técnica dos concertos de outras bandas, quando estás em palco com Diabo consegues libertar-te dessas preocupações mais técnicas e expressar o teu lado criativo?
Um músico, para além de ter de se concentrar na performance, também sofre de preocupações técnicas: afinações, cordas, peles da bateria, cabos... No meu caso, que toco 15 instrumentos nos concertos de Diabo, as questões técnicas são muito importantes e há um trabalho de manutenção bastante detalhado para manter tudo a funcionar bem. Quando as coisas correm bem num espectáculo consigo expressar o meu lado criativo como músico e como operador de som. Os concertos de Diabo estão bem oleados e temos uma equipa técnica óptima, isso ajuda com as (des)preocupações técnicas.

É mais complicado trabalhar num concerto como técnico ou como artista?
Eu acho que hoje em dia a linha que separa um técnico de som de um artista é uma linha bastante ténue. Um operador de som deve ter, assim como um músico, um lado musical e um bom ouvido. Deve olhar para os seus instrumentos, a mesa de som e outros processadores, como instrumentos musicais que servem para manipular os sons e esculpir um resultado artístico final. Uma grande diferença é a exposição ao público. Se pensarmos no exemplo de um concerto de Rock, como técnico de som eu desfruto de um ligeiro anonimato durante a performance, que acontece naturalmente, e consigo assim concentrar-me sem grandes pressões, mas como músico alimento-me da energia das pessoas e da adrenalina que sinto quando tocamos para um público. São actividades um pouco diferentes, mas ambas têm as suas dificuldades e características próprias.

Luso Beat, conta-nos a história da iMoça... 
O iMoça é uma remix da Moça Esquiva. Foi uma resposta ao desafio que o Jorge me lançou de interpretar o tema à minha maneira. Usei vozes e alguns elementos das gravações originais, manipulados e modificados por mim e combinei-os com as minhas batidas electrónicas, os sintetizadores e os tambores portugueses distorcidos. Luso Beat já existe há muito tempo na minha cabeça e foi quase automático associar as duas coisas e assinar a remix com esse nome. Quando chegou a altura de preparar o Saias EP surgiram dúvidas em relação ao título e quem sugeriu iMoça foi o meu irmão. Obrigado, João!

Que tipo de coisas gostavas de fazer com o projecto Luso Beat?
Luso Beat nasce da minha vontade de ligar duas linguagens musicais distintas: a da música tradicional portuguesa, com as suas harmonias próprias e os tambores fortes e de ritmos marcados, e a da música electrónica. Não falo só da música electrónica que se faz hoje em dia e tenho como influência os discos do Terry Riley nos anos 70, os Kraftwerk, os Radiohead, os Pink Floyd ou o Aphex Twin. Em vez de tentar colar à força elementos dos dois géneros musicais, interessa-me explorar a comunicação ou ponte entre os dois mundos e deixar que eles se influenciem e se mudem um ao outro. Neste momento estou a organizar ideias antigas e experimentações que fui fazendo ao longo dos anos e a compor outras novas, com o intuito de reunir temas para uma edição como Luso Beat.

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1 comentário:

Jorge Pinheiro disse...

Boa malha, Luso Beat.